segunda-feira, 26 de maio de 2008

Psicologia Clínica


No século XVIII, as ideias psicológicas começaram a germinar no seio da psiquiatria, num primeiro momento sob influência do Romantismo (Victor Hugo, Stendhal, Baudelaire, etc.), que ressaltava o valor da individualidade, ao implementar o culto do “eu”, imprimindo uma perspectiva subjectivista à área que tinha, até então, uma óptica puramente mecanicista e organicista na compreensão dos “distúrbios nervosos”. Depois, o encontro da medicina com a filosofia, como ocorreu na obra de Maine de Biran (1766-1824) e Victor Cousin (1792-1967), propiciou uma visão mais unitária e psicossomática do homem, tendo clara influência na interpretação mais psicológica da psicopatologia.
Seguidamente, John H. Jackson, já em 1875, na Inglaterra, formulou um dos primeiros esquemas descritivos sobre o sistema nervoso, oferecendo bases para uma reflexão psicológica que irá influenciar a Psicologia Clínica.
Por outro lado, também, Pinel, em 1793, no hospital Bicêtre, e dois anos mais tarde na Salpêtrière, produziu uma revolução no tratamento dos loucos, ao libertá-los das correntes nas quais eram dominados pelos médicos e indivíduos dependentes como animais, para possibilitar-lhes um “tratamento moral”.
Essas e outras variáveis, contribuirão na crescente importância da perspectiva psicológica no seio da psiquiatria, resultando, no final do século XIX, na consolidação de uma área específica: a Psicologia Clínica.[1]
É de salientar a ideia de que a Psicologia Clínica é, herdeira de toda a tradição humanista e filósofa e até de uma tradição moral, que põe em primeiro plano a unidade dinâmica e criadora do sujeito humano. No fim do séc. XIX e neste séc. XX, a psicologia tomada como modelo as ciências já confirmadas (a física, a fisiologia), procura estabelecer as leis gerais de comportamentos isolados em abstracto (leis do hábito, leis da aprendizagem, etc.). Tal psicologia experimental (enquanto baseada em experiências), que induziam os resultados da observação de laboratório de uma população relativamente extensa, não podia levar ao finito o projecto de compreender o indivíduo na sua complexidade própria e na sua particularidade.
-10-Foi contra esta corrente que a Psicologia Clínica foi instituída, cujos principais teóricos são Pierre, Janel, Karl Jaspers, Daniel, Lagache. Psicologia da compreensão contra uma psicologia da explicação, psicologia globalizante contra uma psicologia atomística, a psicologia clínica foi enriquecida com as contribuições da psicanálise[2].®
Psicologia Clínica – Esta denominação é ambígua. Na verdade, o objectivo “clínica” tem conotação médica. Ora a psicologia clínica, interessando-se pela patologia, não fica por aí. O seu objectivo é mais ambicioso: estudar o indivíduo em profundidade, na singularidade da sua história e no caso concreto que esse indivíduo apresenta, ir além das aproximações parciais da psicologia experimental, com a finalidade de: prevenir, diagnosticar e tratar pessoas, grupos ou comunidades que apresentem problemas de carácter psicológico.
Desta maneira, voltamos a encontrar um sentido ao qual Littré se refere no seu dicionário (1873), ao definir a medicina clínica: “medicina que se ocupa das doenças consideradas individualmente”. ®
Segundo Lagache, a Psicologia Clínica “manifesta-se como o melhor instrumento, no domínio humano, de uma coordenação e controle das diversas disciplinas psicológicas” – Citação do texto da conferência de Lagache em 1949, em que se defende uma proposta para a psicologia clínica segundo a definição do seu objecto:

“Entende-se essencialmente por psicologia clínica uma disciplina psicológica baseada no estudo aprofundado de casos individuais. Em termos mais precisos, a psicologia clínica tem por objecto de estudo a conduta humana individual e suas condições (hereditariedade, maturação, condições psicológicas e patológicas, história de vida), em uma palavra, o estudo da pessoa total “em situação” (Lagache, apud: Prevost, ibid.: 47).

Ela deve ser uma psicologia aplicada e concreta, ou seja, ser uma prática apoiada sobre um método (o clínico), sustentada, principalmente, na análise de casos, cujo objecto é o “homem em conflito”, desdobrando-se na constituição de uma teoria. A partir dessas definições, Lagache propõe como objectivos da psicologia clínica: aconselhar, curar, educar ou reeducar; ou melhor ainda, prevenir e resolver conflitos. A psicologia clínica deve responder à demanda do sujeito que sofre e que procura seus serviços para curar sua “dor”. Além disso, juntamente com outros trabalhadores sociais, o psicólogo clínico deve trabalhar situações concretas, contribuindo na prevenção dos problemas sociais, como a delinquência e a criminalidade.[3]

-11-
O método Clínico e a Psicologia Clínica – Para Ribot ou para Janet, a observação dos efeitos da doença era um meio de conhecer a organização normal do psiquismo, mediante a gradual dissolução dos processos mais evoluídos. Igualmente a psicanálise, como método terapêutico, serviu de base para teorias da personalidade normal
A psicologia patológica introduziu na psicologia normal uma atitude geral, o “método” clínico definido em 1986 por Witmer e, de maneira diferente, em 1945, por Lagache (1903-1972), que consistia em observar muito tempo e de forma profunda, indivíduos particularmente em luta com os seus próprios problemas, conhecer de forma tão completa quanto possível, as circunstâncias de todos os outros, pois o todo constitui um conjunto dinâmico que não podemos simplificar sem mutilá-lo.Ř

O método clínico[4] foi pensado como sendo o levantamento e a análise de fatos através da observação, de entrevistas e da análise das produções do sujeito. A actividade fundamental que sustenta o trabalho psicológico e que viabiliza os objectivos citados é o diagnóstico, que é considerado a característica central do trabalho clínico:
“O diagnóstico é o ato essencial da psicologia clínica; ela pode se reduzir ao diagnóstico; se ela o transcende, em todos os momentos, no entanto, o diagnóstico permanece a perspectiva essencial, porque estabelece a base racional e real da acção psicológica” (Lagache, 1951 apud: Prevost, ibid.: 50).

As técnicas que a Psicologia Clínica pode utilizar são muitas, entre elas destaca como importantes para o trabalho clínico: técnicas históricas (análise de documentos e de testemunhos), técnicas de observação (exame clínico), testes psicológicos e técnicas psicanalíticas.ř


Este ramo da psicologia é constituído pelos seguintes aspectos essenciais:

-12-· Compreender e apoiar o indivíduo no processo de lidar e de se ajustar a situações adversas, acontecimentos que causam sofrimento, como desemprego, divórcio longas situações de stress, etc.
· Apoiar a pessoa na elaboração de estratégias para fazer face a situações de crise, ou procurar tornar a situação mais suportável.
· Desenvolver actividades de diagnóstico e de intervenção terapêutica em centros que prestem apoio a situações de risco, tais como: toxicodependência; suicídio juvenil; violência; vítimas de abuso; etc.
· Intervir em situações nas quais outros técnicos considerem poder existir indícios de perturbações de carácter psicológico. De notar que quanto mais precoce for o diagnóstico, mais eficiente será a intervenção terapêutica.
· Organizar programas de reabilitação especificamente dirigidos a pessoas que sofrem de doenças crónicas ou que, devido a doenças, perturbações mentais ou outras, apresentem dificuldades de adaptação.


A Psicologia Clínica aplica os conhecimentos psicológicos diagnosticando desajustamentos comportamentais e promovendo a terapêutica psicológica (psicoterapia) adequada ao seu tratamento, quer através do psicólogo agindo isoladamente, quer actuando integrado numa equipa terapêutica.
A consulta clínica é assim, a fonte de toda a actividade da Psicologia Clínica.
Por outro lado, o campo de interesse desta psicologia é bastante vasto, incluindo domínios que, na sequência de desenvolvimento atingido, se assumem como especialização já com apreciável grau de individualização.

A Psicologia do Desenvolvimento interessa-se pelo estudo da evolução aquisitiva das capacidades psíquicas. Mas como domínio da psicologia clínica, regista no caso individual a normalidade da citada evolução ou, na situação contrária, as perturbações encontradas, procurando, nesta última situação, diagnosticar as causas psicogénicas que eventualmente estejam na sua origem, partindo da psicoterapia adequada a cada caso particular.

-13-A Psicologia do Comportamento Desviante é outro dos domínios da Psicologia Clínica que nos últimos tempos vem ganhando acentuada projecção. O comportamento desviado dos padrões impostos pela sociedade, sem que necessariamente lhe esteja subjacente doença psíquica evidente, é hoje cada vez mais frequente. Que causas originam os comportamentos gratuitamente violentos, o consumo de drogas, as atitudes marginais? São estas algumas perguntas a que a psicologia do comportamento desviante procura responder. Para além disso, como domínio da Psicologia Clínica procura diagnosticar os aspectos psicogénicos do caso particular e aplicar a psicoterapia adequada. Um dos domínios importantes da Psicologia Clínica é a sexologia. Tendo tido Watson, Freud e Kinsey como pioneiros, ganhou foros de disciplina da Psicologia Clínica com Masters e Johnson. A terapêutica das disfunções sexuais ocupa hoje, e sem dúvida, um lugar privilegiado no seio da Psicologia Clínica.
Como último dos exemplos do domínio da Psicologia Clínica com idade própria, cite-se a psicanálise enquanto método psicoterapêutico. Ela assume-se, saem dúvida, como um suporte valioso para as manifestações mórbidas consequentes e muitos desajustamentos familiares e sociais. Ainda no que respeita às psicoterapias especializadas, não se pode esquecer a psicoterapia comportamental, técnica cujo domínio é indispensável à bagagem do psicólogo clínico.[5]

Assim, verifica-se que o psicólogo clínico não tem uma área específica de intervenção, pois intervém ao nível da saúde mental nomeadamente: sofrimento, dificuldades comportamentais das pessoas, perturbações psicológicas como depressão; ansiedade; doenças mentais; etc.

Neste sentido, o psicólogo clínico intervém em:

· Hospitais
· Centros de saúde
· Centros de reeducação, reabilitação e readaptação
· Clínicas
· Estabelecimentos prisionais
· Escolas
· Instituições de assistência social
· Profissão liberal em clínicas e consultórios
· Equipas interdisciplinares de apoio
· Etc.[6]


O campo de actuação deste tipo de psicólogos, insere-se na área da saúde e direcciona-se para a superação do sofrimento psíquico dos sujeitos, seja numa perspectiva individual e/ou grupal (famílias, equipas de trabalho, etc.).
-14-Este profissional, tem ainda implícito na sua profissão, a constituição de uma área de produção de conhecimento, ao ter como função, a partir da realização de pesquisas ou da sua prática, a elaboração de teorias e concepções acerca da realidade psicossocial e dos sujeitos nela inseridos, estejam em situação de sofrimento psíquico ou não.[7]

Por outro lado, o psicólogo e cliente são ambos activos no trabalho para a mudança psicológica. Desta forma o psicólogo clínico procura fazer com que o paciente se vá libertando face ao relato da sua auto-análise, à medida que também ele próprio, procura libertar-se dos seus problemas, aprendendo com o psicólogo, uma série de habilidades e novas tomadas de perspectiva.[8]

Estudos realizados e postos em debate na Conferência de Abertura do I Congresso de Psicologia Clínica, realizado entre os dias 14 e 18 de Maio de 2001, na Universidade
Presbiteriana Mackenzie, na cidade de São Paulo, pela investigadora Tânia Vaisberg, afirmam que a constatação corrente de que novas psicopatologias vêm surgindo na clínica psicológica contemporânea merece reflexões que indicam a necessidade do repensar de teorias e práticas. Considera-se, assim, que a retomada da experiência emocional humana, como questão clínica fundamental, evitará tanto o equívoco das teorizações objectivantes e abstractas como a aderência a modalidades de atendimento que já não atendam às necessidades emergentes. Por fim, é defendida uma posição segundo a qual o conhecimento do método psicanalítico, que visa, na sua essência, a compreensão do campo vivencial sobre o qual tem lugar a experiência subjectiva, é a base suficientemente segura sobre a qual a criatividade do psicólogo clínico pode apoiar-se na procura de verdadeiras práticas transformadoras da vida humana.[9]

Vejamos então, os aspectos fulcrais que caracterizam este ramo da psicologia:
O objecto da psicologia clínica é a pessoa, o indivíduo.
-15-A pessoa é encarada como um todo, com todas as suas vivências, exclusivas na sua singularidade e na situação concreta que está a viver.
Cada ser humano é único, distinto dos outros, o que implica uma abordagem exclusiva para cada caso.
A interacção entre psicólogo e paciente deve conduzir ao equilíbrio perdido pelo paciente (carácter distintivo da psicologia clínica).
Valorização da subjectividade, em que o psicólogo é um sujeito que tenta compreender outro sujeito. Ou seja, interactividade entre dois sujeitos activos.
A psicologia clínica tem como objectivo ajudar a pessoa a superar dificuldades de natureza psicológica, tais como:

›Alterações do comportamento
›Perturbações do humor (perturbação, desinteresse, isolamento, desmotivação)
›Perturbações de ansiedade
›Alterações do comportamento alimentar
›Distúrbios da personalidade
›Perturbações do desenvolvimento sócio – emocional.[10]


Neste sentido, o seu grande contributo deve-se ao facto de analisar aprofundadamente, as especificidades de cada indivíduo, de modo a compreender as causas e as formas de actuação do problema de cada pessoa, bem como o alcance do melhor método terapêutico, adequado à sua situação específica.
Ou seja, sem a intervenção deste ramo da psicologia, os sofredores de problemas psicológicos, seriam muito provavelmente, de imediato, encaminhados para o internamento, nas situações mais complicadas, enquanto nos casos mais simples, seriam apenas medicados. Uma vez que, este é o processo mais simples, face ao rápido afastamento do problema, mas que no entanto, não toca no aspecto essencial, que é justamente tratar a mente do paciente. Pois sem esta intervenção fundamental, o doente irá recuperar apenas “artificialmente”, ou seja, a avaliar por valores médicos, irá passar a apresentar depressa valores positivos, não correndo perigo de vida, mas contudo, assim que seja libertado deste processo de recuperação imposto pelo hospital, irá provavelmente voltar ao mesmo problema que tinha inicialmente, já que este não foi introspectivamente analisado e por isso esclarecido com o respectivo paciente.
-16-Assim, é notável que o aspecto primordial na psicologia clínica é a analise subjectiva que permite resolver os problemas psíquicos da raiz, fazendo com que o paciente os aceite e os confronte na sua vida.

“A psicologia clínica é destinada aos médicos, mas cabe aos filósofos construí-la.”
(Prévost, 1988)


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[1] Site: http://www.psiclin.ufsc.br/Hist%F3ria%20da%20Cl%EDnica%20e%20da%20Psicologia%20Cl%EDnica.pdf
[2] Método desenvolvido pelo médico neurologista alemão Sigmund Freud, para tratar de distúrbios psíquicos a partir da investigação do inconsciente.
® AAVV, Dicionário de psicologia verbo As ideias, as obras, os homens
® AAVV, Dicionário de psicologia verbo As ideias, as obras, os homens
[3] Site: http://www.psiclin.ufsc.br/Hist%F3ria%20da%20Cl%EDnica%20e%20da%20Psicologia%20Cl%EDnica.pdf
Ř Reuchlin, Maurice, “História da Psicologia”, colecção da Universidade Moderna , nº80, Q.1063
[4] Método da psicologia clínica que utiliza a entrevista clínica, onde analisa, interpreta e atribui significado e sentido a:
§ O que a pessoa conta
§ A forma como a pessoa fala
§ Como a pessoa se comporta
§ Como a pessoa relata as suas experiências


[5] Rodrigues, Custódio, “Manual De Psicologia” O que é que tem sido a psicologia, Porto, Contraponto edições, nº036
[6] Site: http://josvie.freehostia.com/aplicada.htm
[7]Site: http://www.psiclin.ufsc.br/Hist%F3ria%20da%20Cl%EDnica%20e%20da%20Psicologia%20Cl%EDnica.pdf

[8] Site: http://www.psiclin.ufsc.br/Hist%F3ria%20da%20Cl%EDnica%20e%20da%20Psicologia%20Cl%EDnica.pdf
[9] Site: http://www4.mackenzie.com.br/fileadmin/Editora/Revista_Psicologia/Teoria_e_Pratica_Volume_3_-_Numero_1/v3n1_art7.pdf
[10] Site: http://zed.com.pt/1230%20-%20Psicologia%20Clinica.htm